Manoel de Barros, o poeta do cisco.
À maneira de Rimbaud, Manoel de Barros é um poeta da linguagem e não da confissão dos sentimentos. É um poeta do trabalho com as palavras e não da inspiração, como João Cabral de Melo Neto.
Talvez o grande erro relacionado à visão de Manoel de Barros seja a alcunha de poeta do pantanal, que induz a uma simplificação regionalista. A representação do bioma na poesia de Manoel não mira simplesmente o brejal fotográfico a que estamos acostumados.
Sua poesia se serve sim do dialeto regional e da paisagem pantaneira, mas não pára por aí. As escolhas temáticas em Manoel se prestam a uma estética revolucionária e única, não são aleatórias. Tudo de que o poeta lança mão compõe uma arquitetura poética que se contrapõe à sociedade de consumo, ao intelecto, à utilidade das coisas e à vida adulta mecanizada.
É nesta clave que devemos ver a inserção dos bichos, dos loucos, das plantas e dos diversos elementos pantaneiros em sua poesia. Manoel, ao longo de toda sua vida, construiu uma linguagem com o objetivo de resgatar a autoridade poética, muitas vezes perdida devido à influência da prosa romanesca na lírica pós-moderna.
A prosa literária, ao ser incorporada pela poesia, trouxe para o poema características relativas ao romance, em companhia dos parâmetros de recepção do mesmo. Enquanto uma é predominantemente dirigida ao intelecto do leitor, a outra se dirige à sensibilidade, à imaginação e à memória. Enquanto na primeira há um contraste de vozes, na segunda há apenas uma voz, que é forte e que se impõe ao leitor.
Ao conjunto de efeitos da influência romanesca no texto poético tem-se denominado “crise da poesia”. Nesse contexto a obra de Barros procura construir um discurso forte, que se imponha ao leitor com autoridade.
Ao fundamentar-se sobre si mesma, ela se torna independente, desvencilhando-se da religião, da filosofia, das ideologias e das outras artes. Através da metapoesia, o poema revela seus recônditos e estabelece um novo pacto comunicativo com o leitor.
Seus atributos-pretexto, como o gosto pela ignorância, pela inutilidade e pela infância, erigem uma vigorosa expressão linguística, que leva a aquiescência e ao encantamento do leitor.
Através da ignorância, nega-se o intelecto e a gramática. Por meio da inutilidade, nega-se o funcionamento e significado convencional das coisas. E, na clave da infância, nega-se o olhar automatizado da vida adulta.
Esses atributos não podem ser encarados como meras temáticas de sua poesia. O gosto pela infância, por exemplo, não é simples saudosismo, mas sim uma dimensão que remodela a linguagem, infundindo nela a força da poesia.
Da mesma maneira, o poeta do cisco, por meio da inutilidade e das “grandezas do ínfimo” transforma o discurso, proporcionando arranjos inusitados que são aproveitados como poesia. Em relação à ignorância, trata-se de um “não saber” que conduz a uma investigação primitiva e mítica, avessa à razão e liberadora da poesia.