Memórias póstumas e dom casmurro

Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908), jornalista, funcionário público e escritor, foi um dos fundadores e primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras. Nasceu no morro do Livramento (RJ), filho de um pintor negro e de uma imigrante açoriana. Ficou órfão muito cedo e, ainda na infância, apareceram os sintomas de sua frágil constituição nervosa: a epilepsia e a gaguez, causas de seu comportamento reservado e tímido.

Em sua fase de maturidade literária, iniciada com a publicação de Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), o autor aprimorou a ironia refinada e as sutilezas de composição que o tornaram inconfundível, com as fluidas digressões e a maneira contida, mas contundente, de tratar o caráter de seus personagens.

Como autodidata, Machado conquistou a vasta erudição que o consagrou na literatura e o permitiu superar a ideologia das escolas literárias de seu tempo. Leitor de muitos autores fora de moda, sobretudo ingleses, o escritor pode ser visto como um integrante da chamada “tradição luciânica”, sucessão de literatos que cultivaram o estilo sério-cômico desde a Antiguidade.


MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS

Romance inaugural da fase madura de Machado de Assis, Memórias póstumas de Brás Cubas concretiza o ideal estético que consagrou o escritor e que marcaria sua obra.

Neste livro revolucionário, o autor recorre a um defunto-narrador, artifício que despe o relato de ilusões e pudores. Dessa forma, as memórias revelam com desencanto e sutileza o caráter repulsivo do protagonista que sintetiza a crítica machadiana à elite brasileira da época.

O ocioso bacharel de família burguesa Brás Cubas narra seu caso de amor adúltero enquanto expõe sua visão da vida por meio de divagações cada vez mais alinhadas com o Humanitismo, doutrina filosófica criada por seu amigo de infância, Quincas Borba, e que traspassa toda a estrutura do romance.

Mesmo com as diversas interrupções do enredo e o foco recorrente em assuntos triviais e cotidianos, a linguagem fluente e coesa conduz sedutoramente o leitor, deixando nas entrelinhas da narrativa farto material para reflexões mais profundas.


DOM CASMURRO

Uma das obras mundialmente célebres da literatura brasileira, Dom Casmurro (1900), trata das memórias do narrador-personagem Bento Santiago, o advogado recluso e calado que recebe e adota o apelido mencionado no título da obra.

Essas recordações são a tentativa, na velhice, da recuperação de si mesmo a partir das lembranças da adolescência e juventude. Indireta e gradualmente, o relato revela a transformação do jovem Bentinho no velho e solitário Dom Casmurro, que tenta justificar suas atitudes durante a vida, num tom por vezes acusatório

Com a sutileza que lhe é própria, Machado de Assis explora as incongruências do fluxo psicológico desse personagem, cujas reações e julgamentos deixam transparecer insegurança e ciúme. A escolha da narração em primeira pessoa permite o flagrante de percepções e sugestões enviesadas, ocasionando as ambiguidades que moldaram o mais famoso “narrador não confiável” da nossa literatura.