Carbono Alterado
Carbono Alterado, livro de Richard Morgan, pode ser surpreendente para quem assistiu apenas a série da Netflix. Com uma ambientação deslumbrante, trama inteligente, cenas intensas e perturbadoras, Carbono Alterado garante o seu lugar na estante de leitores de Ficção Científica e supera a série em muitos quesitos, principalmente no desfecho da história.
Chama a atenção logo de cara, para leitores assíduos de romances de entretenimento, ou para aqueles que estudam escrita criativa e pretendem ser escritores, a divisão quase didática das cinco partes do livro: “chegada, reação, aliança, persuasão e nêmesis” que dialoga em muitos níveis com a famosa “jornada do herói” esquematizada a partir da obra de Joseph Campbell.
A narrativa de Morgan demonstra a virtuosidade do autor em termos de show, not tell e de worldbuilding, fundamentais para a estrutura de thriller policial cyberpunk do livro. Mesmo assim, é preciso destacar aqui um dos aspectos em que a série da Netflix supera a publicação: em decorrência da questão dos direitos autorais sobre a imagem de Hendrix, que é a personificação da inteligência artificial que comanda o hotel em que o protagonista fica hospedado no livro, utilizaram em seu lugar, de maneira admirável, a figura de Edgar Allan Poe, brilhantemente interpretada por Chris Conner na série televisiva.
Já no livro, personagens como Reilen Kawahara e Kadmin se sobressaem de maneira espetacular. A primeira, uma personagem que fica oculta a maior parte do tempo, faz Bancroft parecer um menininho num velocípede em termos de vilania, e o segundo, ao ser fundido à figura do homem-retalho da infância de Kovacs, atordoa as entranhas do leitor, aproximando-se de leve do coringa de Heath Ledger, aquele que encarnou o Caos, estampando-se no imaginário de todos e entrando para a galeria dos maiores vilões da história do cinema.
Talvez submersos pela ação quase ininterrupta do livro, há cenas e conceitos que atingem alturas filosóficas e literárias. Faço apenas, consternado, uma ressalva ao livro de Richard Morgan: o autor poderia ter explorado e desenvolvido melhor o Protetorado, fato que enriqueceria o tom distópico da obra. De qualquer forma, recomendo a leitura e espero liquidar esse anseio nos próximos livros da série.